Saúde

O perigo dos Cigarros Eletrônicos

Os cigarros eletrônicos  ou Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEF) foram patenteados na China pelo farmacêutico Hon Lik, com o apelo de ajudar as pessoas a reduzir o vício e como ferramenta para auxiliar a parar de fumar. Mas, não foi bem assim que aconteceu; inclusive o próprio Lik continua a fumar até os dias atuais. Os DEF estão no mercado há aproximadamente vinte anos  e vem conquistando cada vez mais usuários e cada vez mais jovens.

Em geral, tem formato cilíndrico, conta com uma ponteira que funciona como um piteira e, na parte interna, um compartimento (tanque) em que é inserido o líquido chamado juice (composto pela mistura de nicotina, sabores artificiais, aromatizantes e solvente – geralmente propilenoglicol, glicerina vegetal ou uma mistura dos dois), cuja concentração varia de fabricante para fabricante. A maioria tem um dispositivo de aquecimento a bateria. Quando você inala, o aquecedor liga e aquece um cartucho com líquido produzindo vapor, por isso esses dispositivos são popularmente conhecidos como vapes.

Existem 2 tipos de vapes: Pod e Mod

Os Pods são vapes menores, mais fáceis de usar, transportar e mais práticos. Existem versões recarregáveis com cartuchos de reposição ou versões descartáveis, que são geralmente mais baratas. Possuem maior teor de nicotina sendo algumas baforadas (puffs) equivalentes a um maço de cigarro. Essa versão tem conquistado muitos usuários juvenis.

Os Mods, popularmente chamados de narguiles eletrônicos são os vapes com maior potência, são mais complexos, com alta produção de vapor, com nuvens densas e muito sabor, estão equipados com muito mais tecnologia capaz de oferecer maior potência e inclusive controle de temperatura.

Os cigarros convencionais são queimados com fogo levando a combustão do tabaco o que produz uma fumaça com inúmeras substâncias tóxicas, como monóxido de carbônico e alcatrão (aumentam o risco para infarto, doenças pulmonares, alergias, envelhecimento precoce e cânceres). Seus malefícios à saúde são amplamente conhecidos e divulgados, com restrições à propaganda e locais de uso, culminando numa redução ao longo das últimas 3 décadas de cerca e 70% do consumo.

A composição dos cigarros eletrônicos é diferente dos cigarros comuns, não produzindo os produtos de combustão; porém, contém vários tipos de álcoois, glicóis, água, aroma, nicotina. Por exemplo, o propilenoglicol que dilui a nicotina libera folmaldeido (cancerígeno), acetaldeído, níquel, nitrosaminas. A maioria dos vapes tem nicotina e como não há uma legislação, não fica claro essa quantidade pelos fabricantes. Existe ainda a possibilidade de usar com óleos de tetrahidrocanabinol (THC) e canabinóides (CBD). O THC é o componente da maconha que produz o efeito entorpecente.

Os cigarros eletrônicos incomodam menos a garganta, são mais suaves, tem gosto mais agradável, são aromatizados, não deixam odor residual desagradável nas roupas nem no ambiente, tem uma aparência moderna com luzes e touch, além de produzirem o vapor que traz um apelo chamativo e hi-tech pois se assemelha a fumaça de gelo seco.

Por todos esses atrativos e pelo falso marketing que os vapes são menos prejudiciais à saúde, o número de usuários tem aumentado exponencialmente, sendo que 80% dos novos usuários têm entre 15 e 24 anos. Vemos as estratégias de marketing voltadas diretamente para adolescentes, impulsionadas nas redes sociais por vários influenciadores digitais jovens e bonitos divulgando, entre baforadas, esses dispositivos como sendo acessório essencial nas baladas descoladas. O vape tem se tornado um perigoso código cultural, um objeto de ostentação. Assim como foi com o cigarro comum no século passado. No instagram há cerca de 31 milhões de publicações que utilizam a hashtag #vape.

Um grande estudo nos Estados Unidos da América evidenciou que 1 a cada 3 jovens na High school estavam expostos ao VAP pelo alto número de usuários. O consumo aumentou de 11% para 20% de 2017 a 2018 nessa faixa etária. Uma nova geração de vapes, com cara de pen drive invadiu as escolas dos Estados Unidos e outros países, cultivando um mercado de jovens que nunca haviam fumado. 

O uso de DEF cresce cada vez mais no mundo, contudo no Brasil a sua venda, importação e propaganda são proibidas por meio da Resolução nº 46/2009 da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária. O consumo em si não é vedado. Os usuários adquirem por meio de importadoras, tabacarias e sites na internet com muita facilidade a despeito da proibição. Há projetos transitando para sua aprovação atualmente em nosso país.

O vapor dos cigarros eletrônicos contém várias substâncias cancerígenas (já está comprovado associação com câncer de bexiga em usuários de DEF), lesões endoteliais, redução da resposta a microorganismo, aumentando chance de infecção, redução da resposta imunomoduladora. Esse prejuízo na imunidade já pode ser percebido com 2 semanas de uso. As Universidades da Califórnia e de Stanford constataram que os usuários de dispositivos eletrônicos têm até sete vezes mais chances de contrair Covid-19.

Outra preocupação com os DEF é que a quantidade de nicotina não é regulamentada e existem versões com muito mais quantidade que nos cigarros comuns. Além disso, pelo fato dos cigarros eletrônicos não deixarem cheiro desagradável e seu uso ser cômodo, seus usuários acabam por consumir maior quantidade, porém não conseguem quantificar, com isso ficam expostos a maior inalação dessas substâncias. Nos cigarros comuns é mais fácil quantificar seu consumo diário. No vapor dos vapes a nicotina chega mais rápido nos alvéolos (local dos pulmões onde ocorrem as trocas gasosas), chegando mais rápido e com mais potência no cérebro. Dessa forma, aumentam a chance de levar ao vício em quatro vezes mais que o cigarro comum. As opções zero nicotina contém outras substancias cancerígenas.

Os estudos de curto prazo evidenciam malefícios dos DEF com fortes evidências que reduzem as defesas do organismo, causam problemas pulmonares, dependência de nicotina e câncer. Por serem dispositivos relativamente novos, carecemos de estudos de longo prazo com associação com outras afecções à saúde.  

Há evidências que fumantes passivos do VAP (álcoois, metais pesados) também estão expostos a seus malefícios pois as substâncias tóxicas e metais pesados ficam no ambiente, nas roupas e mobiliário.

Em 2019 foi descrita uma nova doença pulmonar relacionada ao uso do cigarro eletrônic chamada de Evali (E-cigarette or Vaping product use-Associated Lung Injury). Essa doença foi responsável por mais de 3000 internações e 70 óbitos nos Estados Unidos da América naquele ano, sendo 75% dos acometidos abaixo de 35 anos de idade. No Brasil já há registro de casos de Evali. Acredita-se que tenha relação com um diluente utilizado nesses dispositivos que afetam o pulmão, causando um tipo de reação inflamatória no órgão. A maioria dos casos descritos houve associação com cigarros eletrônicos contendo THC e acetato de vitamina E. Os principais sintomas são: tosse, falta de ar e dor no peito. Sendo comum também dores na barriga, vômitos e diarreias, além de febre, calafrios e perda de peso, podendo facilmente ser confundida apenas com um quadro gripal.  A Evali pode causar fibrose pulmonar, pneumonia e chegar à insuficiência respiratória, levando o paciente a necessitar de internação em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). 

O uso de cigarros eletrônicos aumenta em três vezes mais a chance de buscar outros produtos com nicotina, aumenta o risco de uso de outras drogas, há vários relatos de explosões por superaquecimento da bateria, risco de intoxicação, principalmente por crianças, pelo contato com o líquido. Os ingredientes dos cigarros eletrônicos não são rotulados, por isso não está claro o que contém. O comércio não regulamentado no Brasil expõe os usuários a fornecedores de produtos de origem duvidosa.

Como podemos perceber os cigarros eletrônicos podem ser muito prejudiciais à saúde, não ajudam a parar de fumar pois geralmente os usuários trocam um vício pelo outro. Os vapes podem ser ainda piores que os cigarros comuns, com maior risco de dependência, por serem socialmente mais aceitáveis, atraem usuários cada vez mais jovens, expondo esse grupo ao risco de dependência da nicotina em idade precoce. Os riscos a longo prazo do uso de cigarros eletrônicos não são totalmente conhecidos, mas as evidências apontam para aumento de risco de doenças cardíacas, pulmonares e cânceres. Existem ferramentas com eficácia cientificamente comprovadas para ajudar as pessoas a parar de fumar e o uso desses dispositivo para essa finalidade é totalmente desaconselhável pelas sociedades médicas.

Fica aqui o alerta para esse novo perigo disfarçado em um dispositivo que atrai adeptos pela aparência descolada, moderna, hi-tech mas que esconde riscos enormes a saúde e representa um retrocesso gigantesco na luta contra o risco do uso de qualquer tipo de cigarro.

Dra. Andréa Cunha

Médica Endocrinologista e Metabologista CRMMG 34.892 RQE 11314 Certificada em Medicina do Estilo de Vida Instagram: @draandreacunha

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