Alimentação

ALIMENTAÇÃO E SAÚDE MENTAL

O aumento dos transtornos mentais no Brasil tem sido crescente, agravado pela pandemia Covid-19, e estudos já apontavam que cerca de 15 a 20% das pessoas experimentarão transtornos mentais ao longo da vida, além de ansiedade e depressão serem classificadas dentre as 10 principais causas de incapacidade global por doenças no mundo. O tratamento tem sido, predominantemente, farmacológico e psicoterápico, porém, estudos mostram que aspectos relacionados ao estilo de vida, a exemplo do padrão alimentar, podem contribuir para a saúde mental. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), apenas uma a cada quatro pessoas ingere quantidade adequada e regular de frutas e hortaliças.

 Estudos realizados durante a pandemia Covid-19 mostraram que houve um aumento dos sentimentos associados a quadros depressivos e de ansiedade, bem como alterações no sono de brasileiros. Por outro lado, uma importante pesquisa publicada em 2022 na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, apontou piora no estilo de vida destes, desde o início da pandemia, incluindo aumento de consumo de alimentos ultraprocessados, com redução do consumo de alimentos in natura como frutas, segundo uma outra pesquisa do IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Esses dados estimulam a reflexão sobre a relação entre o padrão alimentar brasileiro e o comprometimento da saúde mental. 

 Para compreender a etiologia dos transtornos mentais, atualmente, existem algumas teorias, ainda não comprovadas cientificamente, tendo em vista as limitações para estudos sobre o cérebro e as funções psíquicas. A teoria das monoaminas, que trata da neurobiologia dos transtornos mentais, mostra que a formação e os níveis de neurotransmissores, a exemplo da serotonina e da dopamina, substâncias essenciais para funções psíquicas como  atenção e humor, depende não só de uma alimentação rica em nutrientes, mas também de um organismo não inflamado ou mínimo inflamado possível. Um organismo que apresenta um quadro inflamatório crônico de baixo grau por um estilo de vida não saudável pode contribuir para o desvio da rota de produção da serotonina para a via excitotóxica, passando a produzir o ácido quinolínico que é tóxico para o cérebro, comprometendo funções psíquicas e agravando transtornos mentais. 

Um estilo de vida saudável, a exemplo do exercício físico regular, do sono reparador, do controle do uso de substâncias, do manejo do estresse, bem como da alimentação baseada, predominantemente, em vegetais, frutas e grãos, fundamenta uma teoria que também tenta explicar a neurobiologia dos transtornos mentais, através dos níveis de neurotrofinas. Estas, a exemplo da BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro), a mais estudada e mais prevalente no cérebro, estão relacionadas à neurogênese e à plasticidade cerebral, que é a capacidade dos neurônios de crescerem e se conectarem, melhorando funções executivas (capacidade de planejamento, decisão), bem como memória e humor, e contribuindo para o aprendizado e a produtividade acadêmica e profissional, importantes para a funcionalidade e a qualidade de vida das pessoas.

Outra teoria que também vem sendo muito estudada é a da epigenética, que é a possibilidade de regulação da expressão gênica por fatores ambientais e do estilo de vida, a exemplo da alimentação, inclusive durante no período gestacional e até antes da concepção. Por influências do ambiente e do estilo de vida, inclusive dos pais, através de mecanismos epigenéticos, pode haver inibição da expressão do gene com alteração na produção de substâncias fundamentais para a saúde mental, a exemplo da BDNF. A alimentação materna e paterna, desde antes da concepção, com baixa ingesta de vegetais e fontes de vitaminas do complexo B, também pode ter influência na saúde mental das crianças.

 O padrão alimentar, um pilar da Medicina do Estilo de Vida, cuja relação com a saúde mental tem sido amplamente estudado, tem uma ação ampla e positiva sobre a função neuronal e a plasticidade cerebral, a exemplo dos ácidos graxos ômega-3, substâncias presentes em alimentos como linhaça, chia, salmão, abacate, castanhas, nozes, amêndoas, por exemplo, que podem ter influência positiva nas conexões cerebrais. No entanto, por outro lado, um padrão alimentar hipercalórico, rico em açúcar, gorduras saturadas, pode contribuir para a degeneração cerebral, comprometendo funções cognitivas.

 Pesquisas têm sido desenvolvidas demonstrando a associação entre alimentação de baixa qualidade, rica em gordura saturada e carboidratos refinados, e sintomas depressivos, declínio cognitivo presentes em transtornos mentais. Por outro lado, um padrão alimentar rico em nutrientes presentes em vegetais, frutas, grãos, está associado a menor prevalência de sintomas e transtornos depressivos.

Em relação a sintomas como falta de disposição ou fadiga crônica, o consumo de fibras insolúveis, presentes em folhas verdes, por exemplo, estimula a produção de butirato, uma substância que contribui para efeitos benéficos à saúde, como a redução do quadro inflamatório e a melhora da disposição. Estudos epidemiológicos apontam que o butirato, produzido a partir da fermentação de fibras realizada pelas bactérias da microbiota intestinal, principalmente a nível do colon, pode ter relação positiva com a saúde mental. Além disso, estudiosos da gastroenterologia e da neurociência buscam estudar a possibilidade da alimentação rica em fibras poder alterar a expressão gênica no cérebro, previnindo a neurodegeneração e promovendo a regeneração neuronal com o aumento de neurotrofinas como a BDNF, por exemplo.

Sobre sexualidade, um tema importante para a saúde mental, estudos mostram que pessoas que têm um padrão alimentar baseado em vegetais, frutas e grãos integrais tendem a ter um humor mais estável, com redução da ansiedade, agressividade, depressão, fadiga, além de melhora na disposição, bem como da preservação da estrutura das artérias e veias, podendo ter benefícios, também, no desempenho sexual. Além disso, alimentos mais ricos em antioxidantes, como mirtilos e amoras, bem como o padrão alimentar mediterrâneo, a base alimentos integrais, predominantemente de frutas e legumes, podem contribuir para a redução da disfunção erétil em homens. Em relação aos hormôninos sexuais, alimentos como chocolate amargo, por exemplo, pode otimizar os seus níveis.

Apesar de desconhecidos os mecanistmos específicos, a comunicação microbiota-intestino-cérebro pode ter efeitos sobre o desenvolvimento cerebral, incluindo comportamento, cognição e humor. A microbiota é o conjunto de patógenos presentes no intestino que têm diversas funções na modulação intestinal e, desequilíbrios na sua composição, conhecido como disbiose, podem estar presentes em transtornos mentais, devendo a alimentação ser uma das formas de intervenção, prevenção e tratamento em saúde mental.

 Finalmente, é importante que, cada vez mais, pesquisas sejam realizadas para elucidar a relação entre a saúde mental e os pilares da MEV, não só da alimentação saudável e equilibrada, mas como do exercício físico regular, do controle do uso de substâncias, das conexões sociais saudáveis, do sono reparador, do manejo do estresse, visando estimular a capacitação e sensibilização dos profissionais da saúde para práticas de promoção da saúde, bem como de prevenção e tratamento de doenças com intervenção em saúde mental, além da farmacológica e da psicoterápica.

Insta: @dra.tatiana.farias

Dra. Tatiana Farias

Médica do Trabalho, Especialista em Medicina Preventiva e Medicina do Trabalho pela UFBA, título de especialista em Perícia Médica, Perita Médica Federal, Especialização em Psiquiatria, Mestre em Medicina e Saúde pela UFBA, professora da graduação em Medicina da UNIFAS e da Pós-graduação em Engenharia de Segurança da UFBA, pesquisadora pela FUNADESP em Saúde Mental e Neurociências, Certificada pelo Comitê Internacional de Medicina do Estilo de Vida/Colégio Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida (IBLM/CBMEV).

41 thoughts on “<strong>ALIMENTAÇÃO E SAÚDE MENTAL</strong>

  • Mariana Castro

    Muito bom!!!Artigo muito esclarecedor!

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    • Jozina Nogueira

      Excelente matéria, parabéns e obrigada pelos esclarecimentos!
      Explica o motivo de vermos,cada vez mais, pessoas com sintomas de doença mental. Gostaria de ter tido essa visão ainda adolescente e agradeço aos meus pais ter sido criada com alimentação natural típica de uma cidade pequena , pena que a juventude já foi estilo oposto. Precisamos educar nossos jovens para que o amanhã deles seja menos adoecedor.

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      • Dra. Tatiana Farias

        Sem dúvida, nossos jovens precisam! Obrigada!

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    • Júlia Novaes

      Excelente texto, é cada vez mais importante discutimos os impactos da alimentação e do estilo de vida sobre a saúde mental!

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      • Dra. Tatiana Farias

        Verdade! Obrigada!

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    • Excelente, matéria!!
      Parabéns, Profa. Tatiana Farias!

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      • Joao victor

        Muito esclarecedor ,evidenciando cada vez mais a importância da MEV

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        • Dra. Tatiana Farias

          Verdade, obrigada!

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      • Dra. Tatiana Farias

        Que bom que gostou, obrigada!

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    • Dra. Tatiana Farias

      Que bom! Obrigada!!!

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  • Priscilla Viana Fortunato

    Nossa, muito bom! ??????????????

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      • Jadir Gargur

        Parabéns pelo artigo. Desperta a necessidade de mudança de hábitos.

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        • Dra. Tatiana Farias

          Que bom saber disso! Obrigada!!!

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  • Marcia Andrade

    Excelente artigo! Muitas informações importantes para a vida de cada um de nós .
    Cada vez mais a ciência comprova que somos o reflexo do que comemos.
    E os novos estudos servirão para nos orientar sobre os beneficios de se adotar um estilo de vida saudável .
    Nunca é tarde para fazermos mudanças nas nossas vidas .
    Parabéns a Dra. Tatiana Farias

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    • Dra. Tatiana Farias

      Muito verdadeiro isso!!! Obrigada!

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  • Excelente!!! Devemos estar sempre atentos a correlação da saúde mental e alimentação. Muito elucidativo !

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    • Dra. Tatiana Farias

      Verdade, obrigada!

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  • Excelente. A alimentação saudável e a medicina do estilo de vida a cada dia mais aponta como o caminho certo que a medicina deve seguir. E a possibilidade da alimentação rica em fibras poder alterar a expressão gênica, previnindo a neurodegeneração e promovendo a regeneração neuronal é simplesmente fantástico.
    Parabéns pelo belíssimo trabalho.

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    • Dra. Tatiana Farias

      Verdade! Obrigada!

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  • Carol Sant Anna

    Tema de extrema relevância! Vanguarda!!!!!

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    • Dra. Tatiana Farias

      Obrigada! Somos…

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  • MAIRA KATARINE FRANCO DA MOTA

    Gostei muito do artigo. Texto muito claro e completo. Parabéns!

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    • Dra. Tatiana Farias

      Que bom! Obrigada!

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  • Gabriela Covizzi

    Excelente artigo! Com informações preciosas para nossa saúde!

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  • David Lockwood

    Ótimo artigo! Explica claramente a relação entre alimentação e saúde.

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  • Marcus Andrade

    Excelente artigo. Muito esclarecedor.

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    • Dra. Tatiana Farias

      Que honra !!! Grata pela sua presença aqui!!!

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  • Excelente matéria!
    Super esclarecedora!
    Obrigada pelo conteúdo, Dra Tatiana.

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  • Adriana Leal

    Artigo maravilhoso, bem fundamentado, de uma leitura prazerosa! Fico muito feliz em perceber o quanto a alimentação é importante em todas as fases de nossas vidas, associada sempre a um estilo de vida mais leve e saudável. Parabéns!!!

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    • Dra. Tatiana Farias

      “Que seu remédio seja seu alimento, e que seu alimento seja seu remédio”-Hipócrates. Obrigada por esse retorno!!!

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  • Patrícia Farias

    Que texto maravilhoso! Discussão super contemporânea e inovadora! Escrita esclarecedora que possibilita uma compreensão mais ampla por quem não é da área da saúde. Parabéns, minha irmã! Por seguir um caminho que fala da saúde na sua essência. Tenho muito orgulho da medicina que você representa…uma medicina conectada com hábitos saudáveis e qualidade de vida.

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  • Uma abordagem perfeita, clara e de uma importancia tamanha no atual momento que vivemos. Aguradando novas publicações da excelente pesquisadora.

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    • Dra. Tatiana Farias

      Que bom que gostou! Obrigada!!!

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  • Karina Abbehusen

    Encantada com essa abordagem tão completa e sucinta ao mesmo tempo! A nova visão se fortalece na necessidade de se refletir sobre uma realidade que já está à nossa frente. Uma sociedade apressada e cada vez mais doente.. não é um assunto novo, mas é relativamente novo o movimento de buscar, aprender, estudar para então, começar a mudar. Parabéns! Parabéns!!
    ” …e há tempos são os jovens que adoecem, e há tempos que o encanto está ausente…”
    ( Renato Russo)

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    • Dra. Tatiana Farias

      Maravilhosaaa!!!

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